sábado, 14 de abril de 2018

CONTOS: Um Homem que Passa...

História retirada da revista "Escaravelho Azul - Vol.1 fasc. n.º 23 - Montana em Homem Perigoso, Capitão Doom em Perigo Inesperado (19xx)"

Título: UM HOMEM QUE PASSA...
Autor: Edgar Caygill
Ano:19XX


UM HOMEM QUE PASSA...



A jovem caminhou para o pai e disse:

— Não posso aceitar esse casamento. Eu não amo O'Curtiss, e mesmo pela força não consentirei ser sua mulher!

O pai, um velho lavrador de setenta anos, deixou cair a cabeça e, em voz triste, respondeu:

— Tens razão, minha filha. Eu nem sequer devia ter consentido em ouvir esse miserável! O'Curtiss é bem um digno sucessor de seu pai. Utiliza o dinheiro como argumento, e eu... eu, minha filha, tenho o rancho hipotecado. Estas terras que trabalhei com as mãos e com a ajuda da tua mãe. Hipotequei tudo a O'Curtiss quando tu adoeceste e tive de mandar vir o médico do Este. A partir dessa altura não fiz mais que trabalhar para pagar os juros. Mas este ano as culturas foram queimadas pela geada, e eu não posso pagar... Procurei O'Curtiss e ele deu-me vinte e quatro horas. Ou pago... ou autorizo o casamento dele contigo. E eu... disse-lhe que sim, que autorizava... Pensei, egoisticamente, que tu sentias pelas terras o que eu sinto. Elas são o que restam da tua mãe, e a tua própria mãe está enterrada aqui debaixo dos nossos pés. Mas tens razão...

— Pai! Pai! Porque não disse logo isso! Sim, eu caso-me, farei tudo quanto ordene, mas não consentirei que te roubem as tuas queridas terras!

E antes que o velho tivesse tempo de responder, um vulto apareceu de repente à porta e uma voz disse:

— Suponho que não se devem precipitar. Esses assuntos não são assim que se resolvem.

Pai e filha olharam e depararam com um rapaz alto, forte, de olhar de criança e sorriso duro.

— Desculpem — disse ele. — Estava à porta e ouvi, sem querer, a conversa. Por acaso conheço O'Curtiss e posso dizer-lhe que ele ficar-lhe-á com a filha e depois com as terras.

— Mas... quem é o senhor? — perguntou o velho.

— O meu nome é Red Valley. Venho de passagem, e pretendia uma refeição quente. Mas segundo parece posso trabalhar para ganhar esta refeição.

— Nós somos os Morgan — respondeu o velho. — Esta é a minha filha Joan. Não sei que quer dizer com isso, forasteiro.

— Diga-me só uma coisa: quanto tempo deu O'Curtiss para resolver a questão?

— Vinte e quatro horas.

— Bem, chega. Dentro de cinco horas estarei de volta com o título da hipoteca, e pronto a comer um bom almoço. Joan... gosto muito de carne guisada, não esqueça. Com muito picante — e enquanto dizia isto, o forasteiro voltava as costas e saía, deixando pai e filha de boca aberta.

O'Curtiss estava encostado ao balcão do «bar», quando Red Valley entrou. Ambos se olharam em silêncio. O'Curtiss era também muito alto e usava dois coldres quase à altura do joelho. Fez-se pálido ao reconhecer Red. Depois deu um salto para o lado e sacou as armas. Ouviram-se quatro tiros. E as quatro balas provocaram isto: as duas armas que cada um deles empunhava saltaram das mãos como impelidas por uma mola.

Red riu-se e exclamou:

— Continuamos com a pontaria afinada, hein?!

— Que queres desta terra? — gritou O'Curtiss, furioso. — Eu jurei-te que te matava quando te visse e estou disposto a cumprir a minha promessa.

— Precisamente por causa disso estou aqui. Para que cumpras a tua promessa. Mas com uma condição: eu matei o teu pai em duelo aberto, à frente de toda a gente, e para o castigar de todo o mal que fez aos rancheiros e lavradores mais pequenos da região. Por isso afirmaste nessa altura que me matarias quando me voltasses a encontrar. O mundo dá muitas voltas. Andei por aí, e hoje que passei por mero acaso, verifico que segues as pisadas do teu pai. Muito bem. Estive em casa dos Morgan e descobri que andas a especular com a hipoteca, exigindo-lhe juros absurdos e pretendendo a rapariga como... Bem, isso não importa. Vamos à combinação. Estou disposto a lutar contigo em duelo... à meia-noite... como quando foi com o teu pai, desde que se eu vencer, me restituas a hipoteca.

O'Curtiss olhou para as armas caídas no solo e respondeu:

— Aceito. E sabes porque o faço? Por três motivos: porque te mato, e depois ficarei com a hipoteca e ainda com Joan. Quanto ao velho... expulsá-lo-ei da terra, sem a filha saber!

Era meia-noite. A pequena povoação estava mergulhada em silêncio. Apenas dois homens caminhavam pela estrada. Um era O'Curtiss, de coldres bem ao alcance das mãos caídas. Outro, Red Valley, acompanhado do seu fiel cavalo e do seu cão-lobo, a quem ele chamava «Feroz».

— Bem, amigos — disse para os animais — até já, ou até ao outro mundo.

Nessa altura a voz de O'Curtiss rebentou:

— Vou atirar!

Red deixou-se cair no solo, ao mesmo tempo que dois tiros passavam sibilando sobre a sua cabeça. Sacou os «Colts» e disparou por sua vez. As armas de O'Curtiss saltaram-lhe das mãos. Red riu-se e levantando-se, gritou:

— Podia matar-te, mas quero apenas que me dês o título da hipoteca.

O'Curtiss deu uma volta e correu para o cavalo, e saltando-lhe para a sela, desapareceu na noite.

Red fez o mesmo. E a perseguição começou. O'Curtiss refugiou-se numa casinhota de campo, que servia para ele guardar ferramentas e armas. Quando Red procurou aproximar-se, uma bala de espingarda acertou no cavalo, obrigando-o a cair, morto.

Red teve um crispar de nervos. Escondeu-se atrás do cavalo morto, e enquanto murmurava: «Meu pobre amigo» — tirava a sua espingarda da sela e começava a disparar. Mas o tempo passava-se e O'Curtiss mantinha-se na sua posição. Com o alvorecer, Red teve uma ideia. Acendeu um archote, e chamando «Feroz», o cão-lobo, disse-lhe:

— Ouve, «Feroz», levas este archote e vais colocá-lo junto às velhas paredes de madeira da barraca.

Red começou a disparar com violência, dando tempo a que «Feroz» alcançasse a barraca e lá colocasse o archote aceso. Pouco depois as chamas pegavam-se à madeira seca, e grossas nuvens de fumo começaram a aparecer. O'Curtiss não teve outro remédio senão sair, de mãos bem levantadas, fugindo assim à luta.

Mas Red atirou fora as armas e a punho limpo disse para o miserável se defender. E durante alguns minutos os dois homens socaram-se com violência. Red era mais ágil e forte. O'Curtiss acabou por cair no solo inanimado, com os dois sobrolhos a sangrarem.

Uma hora depois, após ter enterrado o seu cavalo, Red regressou ao rancho de Morgan, levando consigo o corpo de O'Curtiss e o documento da hipoteca que aquele guardava consigo.

E quando John lhe servia a carne guisada, ele afastou a comida e ficou silencioso, triste: pensava no seu cavalo morto, no seu velho companheiro de tantos anos de aventuras.

FIM

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